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segunda-feira, outubro 31

a arte pobre e a pobre ciência 

No Pavilhão de Portugal, em Coimbra, está uma exposição que já esteve em Serralves em 2002, de artistas italianos que no final dos anos 60 estiveram envolvidos no movimento denominado Arte Povera. Fui visitá-la este fim de semana, embora por coincidência já a tivesse visto em Serralves. Uma das peças mais interessantes é a que ilustra este texto (Piombi de Gilberto Zorio, 1968). Trata-se de duas gamelas de chumbo, uma delas com sulfato de cobre (solução azul) e outra com ácido clorídrico, havendo um arco de cobre poisado sobre elas, unindo-as.

Trata-se de uma química elementar. Há formação de cobre sólido no lado do sulfato, formação de uma solução verde de cloreto de cobre no lado do ácido clorídrico e o chumbo também deve ir reagindo, formando óxidos brancos. Inicialmente a peça terá sido feita com ácido sulfúrico do lado que tem agora sulfato, mas embora o efeito fosse idêntico (excepto talvez sem a formação de cobre sólido), esta não deveria durar muito. E é aqui que que quero chegar. A falta de sensibilidade para a ciência, e em particular para a química, de uma boa parte dos artistas e dos comissários das exposições é confrangedora. E não só confrangedora como perigosa e absurda. No Pavilhão de Portugal, lugar muito húmido, criado para ser efémero, recriado igual ao que teria sido noutro lugar pela teimosia, a peça começou a fazer das suas. O ácido clorídrico, que é uma solução aquosa de um gás muito reactivo, começou a atacar os rodapés e outras peças metálicas. Evaporava-se rapidamente. Voltavam a pôr mais, talvez cada vez mais concentrado. Á volta da peça ficou tudo húmido e corroído e acabaram por deixar de pôr ácido. Foi assim que a encontrei e ainda bem. É que o ácido poderia ser perigoso para visitantes e pessoal que lá trabalha. Alguém terá pensado nisso? Alguém terá pensado em pôr por baixo da peça um estrado de material não sensível ao ácido? Em avisar os visitante que não tocar era mesmo importante? Em entender ou explicar a sua química?

Para mim, acabam por ser estes problemas que tornam a peça e a arte mais interessante. A sua vida química, os perigos que acarreta. A imagem dos comissários lixados com aquilo a escorrer, enquanto tentam salvar uma imagem da arte cheia de conversa inútil e ruído: a língua de pau dos artistas e arquitetos. Enquanto a vida, a química, a corrosão, o perigo ali perto, lhes vai passando ao lado. Para quando uma viagem pela arte viva? Para quando o fim das torres de marfim onde se escondem os artistas e os comissários com medo que alguém veja que o rei vai nu? É que, talvez com arte viva, seja possível ter mais que cem ou duzentos visitantes por mês...

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