<$BlogRSDUrl$>

segunda-feira, abril 12

"Portugal foi dos países que melhor resistiu à crise mundial" 

“A maldição” (René Magritte, 1960)


O observador deste quadro surrealista pode questionar-se: como pode um céu tão bonito representar uma maldição? Pode algo ser o contrário do que parece?


Sim. Por exemplo, debrucemo-nos na frase do nosso PM (que reproduzi no meu post anterior - minuto 11:00 do vídeo): “Foi uma crise séria, a maior crise dos últimos 80 anos. Portugal foi dos países que melhor resistiu a essa crise. Quero salientar que Portugal foi senão o quarto o quinto país, que resiste melhor à crise financeira e económica mundial.”. Quando ouvi isto, estranhei. Será verdade? Ou a realidade será precisamente o contrário?

Repare-se na forma como o nosso PM justificou a afirmação que fez (aparece logo a seguir no vídeo). Recorre a uma estatística, escolhida a dedo (no meio de tantas desfavoráveis): “Nós tivemos um decréscimo de 2,7, enquanto toda a Europa teve um decréscimo médio de 4%.”. Esqueçamos o facto de Sócrates não dizer qual é o indicador que está a usar: percebe-se que é o Produto Interno Bruto (PIB) de 2009. Esqueçamos também o facto de dar a entender que Portugal é o 4º ou 5º país do mundo que melhor resistiu à crise, quando na realidade está a falar do 4º ou 5º da União Europeia, um leque muito menor de países.

Pode esta menor contracção do PIB em Portugal justificar a afirmação de que Portugal resistiu melhor à crise do que esses países? Qualquer pessoa pode constatar neste site da OCDE que não, porque então pelo mesmo argumento a Grécia seria o 2º país que melhor resiste à crise mundial! Sim, a endividada Grécia, de que ouvimos falar todos os dias porque é o país da União Europeia que mais está a sofrer com a crise global (e que diz que nós seremos os próximos) e sobre a qual se especula se não entrará em bancarrota, a Grécia apresentou em 2009 uma redução do PIB melhor do que a nossa, a 2ª melhor da Europa (-1.1%). No entanto não vimos o primeiro ministro grego a tranquilizar os mercados usando o indicador que o nosso PM usou!

Esta flagrante oposição entre a realidade que vivemos e o bonito quadro que o nosso PM nos pinta sistematicamente faz-me lembrar “A maldição” de Magritte.

Mas há mais: segundo o mesmo site, se a variação do PIB fosse, como o nosso PM diz, uma medida da nossa resistência à crise, então esse mesmo indicador nos diria que em 2011 Portugal seria afinal o 4º ou 5º país que pior (e não melhor) resiste à crise mundial, ou seja, a oposição perfeita! (Já agora, convém dizer que os 5 países da União Europeia que a OCDE prevê que tenham a pior variação de PIB em 2011 são Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha: os célebres PIIGS.)

O mais bizarro é vermos precisamente as duas pessoas de quem normalmente o nosso país mais precisaria para transmitir credibilidade e confiança na nossa economia ao exterior, o primeiro-ministro e o ministro das finanças, enterrarem-se desta maneira tentando dar uma falsa imagem da realidade económico-financeira do nosso país. Ela pode ser suficiente para convencer muitos tugas como eu, que pouco percebem de economia, mas não me parece que convença os especuladores, que mais facilmente detectam e exploram estas inconsistências dos governantes com a realidade. Pensar que este anúncio foi feito num momento extremamente delicado de instabilidade financeira, com as atenções das bolsas centradas na apresentação do PEC Português, um dia depois da diminuição do nosso rating ter feito notícia em todo o mundo, é surrealista pelo risco a que estivemos (e ainda estamos) sujeitos.

Coloca-se agora a questão de se saber se o nosso PM disse aquela frase realmente convencido de que estamos a resistir melhor à crise, ou se, pelo contrário, sabia que a realidade é praticamente o oposto do que referiu e deliberadamente quis iludir as pessoas.

A primeira hipótese é a que mais me enche de calafrios, pois implicaria que 1) o nosso PM e a equipa que o aconselha ao nível financeiro/económico não se teriam dado conta de que afinal a actual situação económica do país não é a 4ª ou a 5ª melhor, 2) não teriam tido o mínimo de competência exigível para fundamentarem devidamente afirmações extraordinárias que fazem em momentos delicados (com contradições que evidenciam um desconhecimento atroz da evolução do PIB da Grécia e de Portugal no contexto da União Europeia, facilmente detectáveis até por um tuga como eu) e 3) estariam a tomar decisões importantes para o futuro do nosso país com base no pressuposto errado de que "Portugal foi dos países que melhor resistiu à crise mundial".

A segunda hipótese parece muitíssimo mais verosímil. Ambas requerem que o nosso primeiro ministro se explique de forma objectiva e completa, sem reescritas da história e sem as fachadas e fugas para a frente que utiliza sistematicamente para se escusar a dar as explicações que deve aos portugueses.

Etiquetas: ,


Comments: Enviar um comentário
This page is powered by Blogger. Isn't yours? Weblog Commenting by HaloScan.com