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quinta-feira, setembro 30

Podia ser só retórica, mas infelizmente não é... 

Há pessoas verdadeiras a sofrer, enquanto outras dão lustro às suas medalhas de latão e aos tesouros que amealham e esbanjam à custa do Estado.

O Governo veio anunciar um pacote de medidas de austeridade. Vale apenas ler para sabermos e que está lá e o que não está, mas talvez devesse estar.

Comecemos por um exemplo óbvio. Os cortes cegos não nos levam a lado nenhum: têm de ser dirigidos. Um carro de bombeiros ou um carro patrulha da polícia não podem estar no mesmo pé de igualdade de uma viatura oficial, mas poderá ser mais provável que se corte nos primeiros por razões de quantidade e poder.

A proibição de acumulação de salários com pensões é uma medida óbvia. As pensões assim como, por exemplo, os subsídios de desemprego são direitos que resultam da situação profissional ou social da pessoa e não direitos absolutos. Se a pessoa quer voltar a trabalhar no primeiro caso, ou se lhe arranjam emprego, no segundo, deveriam deixar de ser devidos. Mas devemos ainda ir mais longe: para uma efectiva política de emprego qualificado e produtividade dos servidores do estado é necessário tornar excepcional qualquer tipo de acumulação remunerada (e as não remuneradas devem ser controladas para evitar abusos como vai acontecendo com os psicólogos e jovens doutorados à procura de currículo). Não faz sentido, com tantos doutorados em situação precária, que nas Universidades e Politécnicos haja tanta gente a acumular funções, continuando, muitas vezes, a auferir legalmente de exclusividade. Com os médicos e os enfermeiros a mesma coisa: já não faz sentido permitir a acumulação de funções e de proventos adicionais. Se fazem falta nalgum lado é porque estão mal distribuídos, pois as médias destes profissionais por número de habitantes são superiores às da UE.

Cortar nas ajudas de custo parece bem. Mas cortar como? Para começar por esta coisas corporativa de serem proporcionais à categoria profissional do beneficiário. Depois onde se corta? Uma assistente social ter ajudas de custo para ir visitar uma família em risco não é o mesmo que um funcionário de qualquer ministério envolvido em qualquer sinecura ter ajudas de custo para ter uma reunião inútil num qualquer ponto do estrangeiro.

E será que ajudas de custo se referem também a despesas de representação e outros complementos salariais? É que nesses complementos, que provavelmente não são contabilizados como salário, deve estar muita despesa oculta. E não se pense que isso só se passa no emprego directo no estado. Também, por exemplo, os juízes e magistrados têm subsídios de instalação. Se os professores não os têm porque hão-de tê-las os juízes e magistrados que ganham três ou quatro vezes mais que os professores. E porque hão-de tê-las os obscuros dirigentes do estado?

Os ministérios e serviços centrais não podem ser sorvedouros de recursos financeiros para burocracias. Uma medida efectiva seriam metas aceitáveis de redução das despesas com os serviços centrais, e.g., 5%, 10%; um número que desse um sinal de que se procurava de facto reduzir as despesas do estado. Se se reduz 5% nas Escolas, nos Hospitais, ou na parte produtiva do Estado, tem de se reduzir pelo menos o dobro nos gabinetes. É de notar que estes cortes não gerariam necessariamente desemprego directo, pois uma grande parte das pessoas que anda pelos ministérios vem de outras partes do estado, requisitados, nomeados ou destacados.

A questão da necessidade de cortes nos serviços centrais vale a pena ser olhada com atenção. É muito interessante que o Estado contratualize um sem número de serviços, estudos, pareceres, projectos, quando tem, supostamente, imensos funcionários e especialistas para os fazerem. As firmas de juristas florescem à conta disso. E se calhar também são contratualizados aos seus próprios funcionários, ou agentes e servidores do estado que acumulam funções.

A questão das transferências para o sector privado e subsídios é também muito interessante. É que como já aqui escrevi a propósito de outro assunto o estado financia muitas vezes os lucros do sector privado. E aqui está uma coisa a analisar com cuidado, em especial a engenharia financeira (pseudo-reinvestimentos, etc.), que o sector privado faz para não pagar impostos. E não me venham dizer que os hipermercados, ou outro tipo de negócios lucrativos, se deslocalizariam se perseguidos, que eu não acredito.

Infelizmente, como escreveu um jornalista espanhol a propósito de Espanha, parece também haver em Portugal um alargado conjunto de pessoas poderosas e influentes que paga menos impostos do que o que deveria e que se vai aproveitando da situação, o qual impede os governos de tomar as medidas necessárias; digo, as necessárias não as que parecem necessárias. E não se pense que a esse grupo só pertencem banqueiros, políticos, empresários e professores universitários; não, não, deste também fazem parte médicos, juristas, juízes, magistrados, altos funcionários públicos e servidores do estado, entre outros; o conjunto é grande e não são só os outros.

Não sou masoquista, mas aceitaria melhor os cortes que me vão fazer nos rendimentos disponíveis se visse estas medidas óbvias implementadas e o meu país a ficar com uma economia e uma sociedade mais saudáveis.

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