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sábado, maio 21

Grandes momentos: a aparente naturalidade 



Vivemos cada vez mais soterrados em informação. Quase não temos tempo para ver os títulos das notícias, quanto mais analisarmos em pormenor o texto de uma notícia e… parar para pensar um bocadinho.

Por vezes é preferível analisar com cuidado pouca informação, mas extremamente relevante, do que nos actualizarmos com as toneladas de spam que nos invadem o quotidiano (na qual incluo a publicidade disfarçada de notícias ou simplesmente informação irrelevante).

Esqueçamos assim por uns momentos as inúmeras notícias que nos distraem do que é importante e atentemos neste curto vídeo, que, embora possa não parecer, é verdadeiramente extraordinário. Nele, o nosso ainda ministro das Finanças explica-nos que “o dinheiro acaba em Maio” e diz, com ar de quem nos está a ensinar algo de evidente, o seguinte:


“não é possível um país sistematicamente estar a gastar oito, nove por cento acima daquilo que produz. É esse o aviso que nos estão a dizer. E é isso que está a ser dito aos portugueses: é que, meus amigos, não podem continuar a gastar oito, nove por cento mais do que aquilo que produzem.”.


Isto é evidente, é de La Palisse, qualquer um de nós diria o mesmo. Aliás, há anos que isto tem sido dito um pouco por todo o lado, com o governo a negá-lo sistematicamente até ter sido forçado a desistir de algumas das fontes de despesa que ajudaram a arruinar o país. O que torna este vídeo extraordinário é o facto da frase ser proferida, com toda a naturalidade, pela última pessoa que, juntamente com Sócrates, poderia fazer esta afirmação. É como se a frase não estivesse a ser dita pela pessoa cuja responsabilidade é precisamente zelar pelas contas públicas e controlar os gastos do país! A pessoa que tinha, juntamente com o primeiro-ministro, o acesso à melhor informação sobre o estado das nossas finanças e que por isso melhor podia prever, decidir e agir adequadamente, se o desejasse, sobre a evolução dessas mesmas finanças.

Ao vermos o vídeo, não nos limitamos a interpretar as palavras que nos entram pelos ouvidos: analisamos inconscientemente a pose, os gestos, a entoação e uma miríade de outros sinais do emissor. Neste caso esses sinais indicam tranquilidade e naturalidade e podem induzir o receptor a deixar-se levar por eles, não concluindo que aquela frase está em absoluta contradição com tudo o que antes aquele senhor disse e fez. Aquela naturalidade no falar foi pensada para transmitir segurança às pessoas que ainda acreditam nestes governantes, criando a aparência de que o que é dito é coerente com o que o governo disse antes. A naturalidade do falar ajuda a criar a ideia de que afinal a necessidade de pedir ajuda foi o desenrolar lógico dos acontecimentos que o precederam, nomeadamente da crise política desencadeada pelo chumbo do PEC IV. E assim quem ainda acredita nesta falsa imagem projectada pensa: “não, o descalabro das contas não teve nada a ver com Teixeira dos Santos, que foi apenas o ministro das Finanças, nem com José Sócrates, que foi apenas o primeiro-ministro nos últimos 6 anos. Não, o descalabro deve ser obra do chumbo do PEC IV. Ou talvez se deva a nós próprios (os contribuintes que no final pagam a crise e os abusos dos governantes), que afinal gastámos demais. Ou talvez se deva à irresponsabilidade da oposição, à crise mundial, às malvadas empresas de rating, aos implacáveis credores, aos gananciosos especuladores, à coligação negativa, à crise da dívida soberana ou ao discurso de Cavaco na tomada de posse ou a tudo isto ao mesmo tempo ou só a algumas coisas de cada vez. O que interessa é que não se pense que foi devido a… quem governou Portugal e tomou todas as decisões relevantes para o país ao longo dos últimos 6 anos.

Aquela naturalidade no falar é, toda ela, desfaçatez.

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